“Este artigo foi escrito por Joan Gaya Fuertes para o site espanhol de notícias relacionadas ao Saneamento chamado IAGUA.ES, porém entendemos que o mesmo é de grande relevância para o nosso cenário brasileiro também, uma vez que temos problemas semelhantes ao abordado no artigo e precisamos trazer estas questões à tona para que sejam discutidas e consequentemente para buscarmos soluções para estas questões.”


O esgoto é o parente pobre do ciclo hidrológico urbano. Todos falam dos problemas de financiamento do abastecimento de água, ou das grandes estações de tratamento e emissários, em grande parte financiados com fundos comunitários. E ainda, boa parte do tecido urbano espanhol possui sistemas de saneamento interno (esgotos) com deficiências manifestas, seja por dimensionamento insuficiente ou por graves problemas de manutenção. E nem é difícil encontrar áreas onde não há nenhuma.

As áreas urbanas precisam drenar esgotos e águas pluviais. Ocasionalmente, certos afloramentos decorrentes de obras públicas no subsolo, sejam eles do metrô urbano ou da construção de estacionamentos subterrâneos, também devem ser drenados. Por essas razões, o esgoto é um serviço mínimo essencial que todos os municípios devem prestar e sua concepção e execução obrigatória devem fazer parte de qualquer planejamento urbano.

Em geral, nosso esgoto urbano foi concebido como uma rede unitária que canaliza simultaneamente águas residuais e pluviais. Isso significou custos mais baixos do que se redes separadas tivessem sido construídas. Por outro lado, os custos de purificação são maiores, pois sabe-se que um metro cúbico de água suja mais um metro cúbico de água limpa equivale a dois metros cúbicos de água suja. Por outro lado, em tempos de escassez de água, complica-se a possibilidade de aproveitar, como água de segunda qualidade, a água da chuva que cai na superfície urbanizada.

Muitas áreas urbanas foram construídas sem considerar essas demandas. Fossas ou descargas diretas em riachos e ravinas ainda são frequentes. Os diâmetros e inclinações de alguns encanamentos são lamentáveis, o que favorece sua obstrução – que nos últimos anos tem sido agravada pelo hábito de evacuar lenços e outros sólidos pelos ralos domésticos.

O controle de qualidade dessas obras não costumam ser exigentes. Muitos tubos são rasos, colocados ao longo de valas com sedes e leitos de suporte defeituosos. Por isso são sensíveis à pressão do tráfego rodoviário: rupturas ou separação de juntas através das quais as águas residuais se infiltram no subsolo. Se o lençol freático não for muito profundo, o aqüífero está poluído. Também não é incomum ver tocos de concreto, mazacotes despejados no final das obras de urbanização para limpar os tanques de concretagem, que limitam as condições de projeto, já precárias. Também são observados sedimentos e áreas corroídas por descargas ácidas ou por emanações do próprio esgoto estagnado. Finalmente, é um costume comum quebrar os tubos com um martelo para conectar uma nova conexão. Entende-se que, onde existem essas circunstâncias, a canalização é nominal. Mas olhos que não vêem, coração que não sente.

Qualquer que seja o seu estado, o sistema de esgoto necessita de manutenção: limpeza frequente dos acúmulos de sólidos, sejam eles provenientes de esgoto ou drenagem de vias públicas, como as folhas no outono, que devem ser retiradas dos embornais para garantir a melhor absorção das águas pluviais e evitar inundações de ruas, casas e estabelecimentos. A manutenção preventiva geralmente ocorre nas grandes cidades, principalmente nos centros urbanos. Em outras áreas, a prática mais frequente é o desbloqueio após a detecção do problema, seja por observação dos serviços municipais, seja por reclamação dos moradores afetados, seja após uma tempestade, cujas consequências teriam sido evitáveis ou, pelo menos, minimizadas se um serviço em condições estavam disponíveis.

Construir uma boa rede de saneamento é caro. As valas devem ser mais profundas e mais largas do que outras utilidades com tubulação, e os tubos devem ser maiores em diâmetro. Os projetos urbanos devem considerar seu desenho, construção e financiamento. Isso nem sempre foi o caso e em muitas ocasiões o processo de extensão de terras urbanas tolerou deficiências que são difíceis de entender.

A sua manutenção e substituição estão sujeitas a um serviço municipal específico que deve ser financiado através de uma taxa. Raramente o valor dessa taxa é baseado em um estudo desses custos. É mais comum essa taxa ter valores simbólicos que dificilmente permitem pagar o custo do desbloqueio por meio de ações específicas, ora programadas, ora não.

Também não é incomum encontrar casos em que a taxa simplesmente não existe. Alguns municípios fizeram a pirueta conceitual de assimilá-lo ao IBI e considerar que o esgoto pode ser financiado com esse imposto. É preciso lembrar que boa parte dos serviços urbanos – limpeza de ruas, iluminação, estradas, jardins e áreas verdes, etc. – são caros e podem ser usufruídos sem custo específico. E que o custo real de um bom sistema de drenagem urbana é alto.

A crónica falta de financiamento e manutenção deste serviço está na base de importantes problemas de higiene urbana em muitos locais, e também na maior frequência de episódios que mais tarde deverão ser encarados como lamentáveis catástrofes fortuitas que, sim, ganham boas manchetes nos jornais, são bons sinais de solidariedade, mas no fundo são a demonstração de deficiências históricas de planejamento e gestão que não foram devidamente enfrentadas.

 Autor: Joan Gaya Fuertes

Fonte: www.iagua.es (artigo traduzido)